sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Quando Ícaro Voa Novamente


Ícaro. À primeira vez em que ouvi o narrar desta fabulosa história, fantasiei estar em seu lugar. Queria poder subir ao alto, e num bater de asas, numa revoada, erguer-me acima da linha da realidade, buscando enfim o céu. Queria poder imitar o ato de Dédalo e Ícaro, fugindo dessa estranha condição de pássaro sem asas. Condição esta que sempre nos afligiu, em todas as eras. Ícaro não extingüiu-se na queda, como na Mitologia. Renasceria mais tarde, juntamente com Dédalo.
Desde o começo, desde a aurora da humanidade, sempre sonhamos galgar os céus, mergulhar no infinito e buscar o oceano vazio que é a imensidão celestial. Voar sobre as várzeas, sobre os campos, e tudo mais, como os pássaros que sempre admiramos. O ser humano busca, desde as mais remotas épocas, um modo de satisfazer sua fantasia de igualar-se aos seres alados. Alguns sentem esta necessidade com mais ardor. É o caso do Ícaro sobre o qual discorrerei a seguir.
A aventura do ser humano estava para mudar, completamente, em um vinte de julho. Era 1873, e nada de formidável parecia acontecer no mundo, exceto para uma mãe que dava à luz seu filho. Nascia, na fazenda de Cabangu, Estado de Minas Gerais, Brasil, o bebê que seria, como mostrou mais tarde, o próprio Ícaro renascido. Nascia Alberto Santos Dumont. A vontade de voar, de explorar o azul e ganhar o abismo celeste, perseguia nosso Ícaro. Para tanto, necessitava aprimorar-se como inventor e tecnólogo. A partir das descobertas de Bartolomeu de Gusmão, tão em voga na sua época, Alberto desenvolveu e projetou balões dirigíveis, os quais controlava com maestria. Conseguiu um feito glorioso, o nosso Ícaro: Partindo de um ponto fixo, num balão, voou e, contornando a Torre Eifel, retornou ao mesmo ponto num tempo preciso de trinta minutos. Este feito foi notável para a época. A seguir, empenhou todo o seu talento para tentar uma nova forma de voar: Planadores com propulsão própria. Sim, elevar aparelhos mais pesados que o ar aos céus, sustentados por asas que planam, e por força motora própria. A busca incansável pelo conhecimento o acompanhava tanto quanto seu desejo de voar. Desse Ícaro, nasceu também Dédalo, com sua fome de ciência e tecnologia. Do filho nasceu o pai. Da vontade impetuosa, nasceu a necessidade do estudo e da pesquisa. E, conseqüentemente, a criação.
Aos vinte e três dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e seis, Alberto Santos Dumont, brasileiro, sonhador, alguém com uma garra invejável e um espírito moleque, realiza diante de uma multidão estarrecida e surpresa - porém não muito - o que há séculos o homem desejava realizar. Sim, balões já haviam desbravado os ares. Porém, era a primeira vez que, com uma máquina mais aerodinamicamente controlável, com menor amplitude de corpo, e mais pesada que o ar, um ser humano conquistava os céus. A máquina era o “14 Bis”. E Ícaro, o nosso compatriota mineiro. A multidão pasmada, na verdade, já esperava tal acontecimento, pois sabia do que ele era capaz. O público já o admirava. Muitos já o acompanhavam em seus sonhos e assistiam de perto seu avanço rumo ao infinito. Por isso, não duvidavam, já antes daquele primeiro vôo em Bagatelle.
Ali, um brasileiro deu asas à humanidade e, como se girasse uma hélice, deu o “contato” que lançou o ser humano ao espaço vazio. O primeiro. O pioneiro. Quem, vendo-o no seu dia-a-dia, nas atitudes quotidianas, tão tímidas, com seu frágil aspecto, perceberia o espírito magno que continha seu magro e inofensivo corpo? Quem diria que de um tipo esguio, de aparência tão recatada, partiriam sonhos alçados assim tão alto, e uma capacidade tal de realizá-los, que igualaria seu feito às epopéias fantásticas da Mitologia? Da França, de Paris, do Campo de Bagatelle para o mundo. O impossível havia sido desafiado, e vencido.
Todos sonham. Todos desejam. Cada um de nós quer algo. Eu sonho, desde muito criança, e quase todas as noites, que posso voar. Em meus sonhos, à noite, vôo sem culpa e sem hipocrisia. Sou um pássaro sem asas de dia. Minha maior frustração, talvez, seja não ter dado tudo de mim, não ter feito todo o esforço para conquistar meu “Velo de Ouro”, meu “Santo Graal”, meu “14 Bis”: Queria ter feito parte da “Esquadrilha”. Tive a idade e a opção de tentar. Mas, então, eu tinha menos coragem e menos fé. Infelizmente, adquiri a fé e a coragem meio tarde. No fim das contas, optei por não tentar. Pus na balança toda a minha vida, e algumas coisas pesaram mais. Me contentaria apenas sonhar em, um dia, quem sabe, voar de carona com “um deles”. Quanto à frustração que quase sinto, tento compensá-la com outra paixão: o Pára-quedismo. É! Também sou Ícaro! Tenho necessidade de ter asas e parecer, ao menos um pouquinho, com aquele mineiro franzino, que com um tímido gesto, ergueu o sonho humano do solo. Graças a ele, hoje temos a opção. Graças ele, ao Marechal-do-Ar Alberto Santos Dumont, podemos voar. Navegar é preciso. A arte de singrar os céus é sublime.
Enfim, para aqueles que não acreditam nos sonhos; para os que duvidam de seu próximo, que pensam rasteiramente, que julgam com paradigmas comuns; para os que não dão importância às fantasias e não deixam a mente alçar vôo; enfim, para os tacanhos, é que Alberto deixou um recado: - “O homem há de voar” - Este era seu objetivo. Esta era sua obsessão. Esta foi sua realização.
Assim, sonhemos! Assim, reconheçamos o valor exemplar de Alberto Santos Dumont, Marechal-do-Ar. E, da próxima vez em que cruzardes com uma pessoa comum, de aspecto frágil, tímida; alguém franzino, que desvia o olhar, e que não vos represente nada, cumprimentai-a com um sorriso. Não será o “Pai da Aviação”, título já conquistado. Mas pode ser que, num futuro ainda incerto, daqui a várias gerações, estejamos escrevendo sobre ela. Afinal, em cada um de nós, vive Ícaro.

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